sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

...a barbearia azul...

Hoje, quando virei a esquina para a rua onde eu trabalho, reparo no cão da rua (que é igualzinho ao "Cão" poema do Alexandre O'Neill)... Estava parado em pé, quer dizer, em patas, atravessado no meio do passeio, o que é muito raro... Semicerrava os olhos e quase esboçava um sorriso... Na manhã fria, aquele cão magriço, dava-se ao luxo de estar ali, indiferente ao resto mundo, a apanhar Sol!
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Entretanto, lembrava-me que na noite anterior, tinha pensado em sugerir à merceeira que fechasse a porta, mantendo um indicação de "aberto", para se resguardar do frio! (devo dizer que nos tratamos pelo nome próprio e com grande afeição)
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Quando reparo nas caixas de fruta à porta, penso que será uma forma de "publicidade" imemorial... Em tempos tão adversos ao pequeno comércio, talvez afinal não seja boa ideia fechar a porta... Não lhe disse nada... Mais vale à nossa merceeira a roupa reforçada, mais o cachecol, tudo em preto pelo luto eterno do extremoso e infelizmente falecido marido!
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Mas o melhor do meu percurso desta manhã estava para vir... Ao passar pela barbearia, cujo mobiliário em azul claro, bem estimado, remonta a umas valentes décadas atrás, reparo no barbeiro, de farta cabeleira branca, de pé. Empunha uma tesoura, pousando o braço sobre a mão livre para maior estabilidade, está aparando os pelos duma narina a outro homem que se encontra de pé à sua frente! Quando passo e os olho, eles olham também para mim, não mexendo mais do que os globos oculares, como uma estátua ou um quadro enfeitiçado...
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Ainda há disto, Evaristo!
MDC

1 comentários:

olga disse...

é verdade! esta é uma realidade bem portuguesa e que felizmente tenho a felicidade de encontrar diariamente no percurso que faço para o trabalho, desde a Praça do Comércio até Santos é um pulinho, e quando tenho tempo ao final da tarde nada me apraz mais que ir "pelas ruas de trás" como lhes chamo, onde ainda passa o electrico velhinho, encontramos mercearias "como as do antigamente" que vendem grão e feijão a granel e em que o cheiro do bacalhau pendurado invade as narinas. Os merceeiros também parecem que transportados de um outro século e são de uma simpatia e sabedoria genuina que quase já não se encontra, acabamos por travar amizade, porque com eles as conversas são como as cerejas, uma puxa a outra.
Ao redor das mercearias e tascas bem portuguesas, há sempre a rondar uns quantos cães que têm de donos e senhores da área, aguardam pacientemente pelos restos e quando passamos tenho a sensação que me sorriem...